13 agosto 2013

Excelente artigo sobre o caso do macaco Chico/macaca Carla

  
  Veiculo:
JORNAL O GLOBO
  Secao:
AMANHÃ
  Data:
2013-08-13
  Localidade:
RIO DE JANEIRO
  Hora:
06:51:31
  Tema:
IBAMA
  Autor:ROBERTO CABRAL

O MARTÍRIO DOS ANIMAIS PRIVADOS DE LIBERDADE

A macaca Carla passou 37 anos morando com uma família em SP. Seu caso é um exemplo típico de fauna silvestre sem direito à floresta
 
Todo dia, todos os anos, casos como estes se repetem no Brasil. Animais silvestres são arrancados de sua segurança, sua liberdade. A imensidão da mata fica para trás. Finalmente o animal acaba em uma casa, o mesmo destino de todos aqueles retirados da natureza. Dizem que o tratam como um filho, mas a coleira ou corrente em volta da cintura não deixa dúvidas: é um prisioneiro. O tráfico de animais silvestres empobrece nossas matas e rouba a liberdade de milhões de seres vivos. O cativeiro ilegal como um silencioso escoadouro suga nossa Fauna para um mundo invisível de sofrimento. A alimentação é inadequada, as gaiolas são pequenas ou correntes, curtas. O pássaro não voará, o macaco não saltará. Já viram uma arara voando? Quando virem, perceberão que elas não foram feitas para enfeitar viveiros, embelezam melhor os céus. O macaco Chico que, aliás, descobriu-se ser Carla, é um exemplo típico. A macaca passou 37 anos com uma família de São Carlos (São Paulo) e foi retirada da família pela Polícia Militar Ambiental no último dia 3 de agosto. A decisão provocou indignação da família e dos vizinhos. Dois abaixo-assinados na web pediram para que ele fosse devolvido à família. Mesmo que bem intencionado, o cativeiro não atende às necessidades de um animal silvestre. Ele adoece por alimentação inadequada, atrofia os músculos, pois não possui espaço e causa transtornos psicológicos ao privá-los do convívio com a própria espécie. Rouba-lhes todos os anos de sua vida ou, muitas vezes, toda a sua juventude. A atenção real dispensada a ele foi tão superficial e o conhecimento de sua biologia tão precário que nem se soube lhe definir o sexo, isto apesar de macacos possuírem pênis visíveis. Cuidados veterinários também são comprometidos. Usualmente se critica o traficante e ele realmente é o elo mais nefasto da cadeia do tráfico de animais silvestres. Mas se deve questionar: por que o traficante existe? A resposta é óbvia, mas em geral não gostamos de considerá-la. O traficante existe porque existem as pessoas que compram ou aceitam os animais silvestres. Assim, acabar com o tráfico de animais é fácil. Depende da conscientização de que o cativeiro é perverso para o animal. O carinho será apenas um paliativo a todas as suas necessidades usurpadas. A legislação brasileira prevê o cativeiro ilegal como crime. Ela pune o traficante e o detentor do animal. Não, a responsável pelo cativeiro de Carla não será presa. Ela não experimentará a mesma sina que por 37 anos promoveu para “seu filho”. Todavia ela responderá na justiça, provavelmente será penalizada com multa e alguma pena comunitária, além da multa administrativa que lhe será imputada. Os alegados 37 anos não a respaldam legalmente ou moralmente; significam, na verdade, o longo período que Carla sofreu. Não se duvida que ela tenha se afeiçoado ao macaco, mas isso não significa que o local seja o melhor para ele. Também o macaco possa ter se afeiçoado à senhora — afinal, ele não tinha outra opção de afeto. O animal na natureza possui a escolha, se levanta, corre, voa, pula, escolhe seus alimentos, seus parceiros reprodutivos, onde fará seu ninho ou o abrigo no qual se protegerá à noite. O tráfico de animais silvestres lhes rouba isso, seu livre arbítrio. Mas nossa legislação respalda que isto não ocorra. Adequadamente já consideramos isso como crime. Basta agora que não nos enganemos por um afeto que foi construído sobre uma história de dor. No cativeiro doméstico os animais silvestres apenas sobreviverão, privados de suas necessidades, para o deleite daqueles que os mantém cativos. Infelizmente não existe distinção de penas entre o cativeiro e o tráfico. É necessário que o traficante possa responder de forma mais grave por suas atitudes. Porém, o fim do tráfico depende de uma mudança de comportamento da sociedade. Não existe justificativa para o cativeiro. Tratar bem, ter afeto, gostar, nada substitui a liberdade. O livre arbítrio dos animais depende do nosso livre arbítrio em optar pela liberdade. Deve-se optar por comprar binóculos e não gaiolas.

ROBERTO CABRAL/COLUNISTA CONVIDADO - Biólogo, Mestre em Ecologia e Analista Ambiental do IBAMA
 

Crédito: Revista O Globo Amanhã, acesso em 13ago2013, em <http://www.cliptvnews.com.br/mma/intranet/amplia.php?>.id_noticia=20279>.

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