16 maio 2011

CARTA ABERTA DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE ESPECIALISTA EM MEIO AMBIENTE AO PARLAMENTO BRASILEIRO

CARTA ABERTA DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE ESPECIALISTA EM MEIO AMBIENTE AO PARLAMENTO BRASILEIRO

Os servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente dos órgãos ambientais federais (MMA, IBAMA e Instituto Chico Mendes), manifestam total repúdio ao Substitutivo ao Projeto de Lei nº1876/99, divulgado no dia 2 de maio de 2011, tendo como relator o Deputado Aldo Rebelo e que dispõe sobre a “proteção da vegetação nativa e revogação da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 – Código Florestal”.

Na atual versão do substitutivo fica clara a intenção de ludibriar o leitor desatento. Se, por um lado, as medidas originais de APP e de obrigatoriedade de estabelecimento de Reserva Legal são retomadas, por outro lado alteram completamente as definições de “utilidade pública”, “interesse social”, “manejo florestal sustentável” e inclui o conceito de “atividade de baixo impacto”. Na prática, significa que toda e qualquer atividade pode ser enquadrada em pelo menos um destes conceitos, tornando as Áreas de Preservação Permanente - APPs inteiramente inócuas, e as Reservas Legais de pouquíssima efetividade para a conservação da biodiversidade.

O substitutivo oficializa a impunidade dos que desmataram ilegalmente, através da instituição do Programa de Regularização Ambiental (PRA), pune os que respeitaram a lei e incentiva a já verificada corrida ao desmatamento. Pelo texto apresentado, será permitido o uso de áreas recém desmatadas sem qualquer ônus aos desmatadores.Como na versão anterior, esta gera vários problemas de execução, independentemente do ente público responsável pela sua aplicação, ainda mais graves nos casos de estados e municípios cujos órgãos ambientais são inexistentes ou precários.

O referido substitutivo não leva em consideração as tecnologias atualmente disponíveis que visam o manejo sustentável dos recursos naturais, bem como os preceitos básicos de ecologia consubstanciados na literatura especializada.Os servidores alertam que a eventual aprovação do substitutivo na forma atual certamente trará conseqüências catastróficas para a qualidade ambiental do País, fato já verificado em países onde o crescimento econômico foi priorizado sem considerar o componente ambiental.

Assim, manifestamos nossa perplexidade quanto ao retrocesso representado pela atual versão em relação à anterior, que já apresentava graves problemas.Listamos abaixo os pontos considerados mais críticos do Substitutivo divulgado em 02/05/2011:

No Art 3º - Inciso IV: A definição de “Interesse Social” foi totalmente alterada. Do item b foi retirada a expressão “... praticada por agricultor familiar ou povos e comunidades tradicionais...”, de maneira que abriu a possibilidade para qualquer situação de exploração agroflorestal sustentável ser considerada de “Interesse Social”, mesmo em grandes propriedades. Foi incluído o item f, que possibilita que qualquer empreendimento que utilize recursos hídricos seja considerado de “Interesse Social”. Foi incluído o item g, que considera a produção de alimentos, quaisquer que sejam, de “Interesse Social”.Inciso V: A definição de “leito regular” está redigida de forma que o define como o leito menor, gerando confusões.

Inciso VI: Foi inserido o termo “manejo sustentável” em lugar de “manejo florestal sustentável”. O correto é Manejo Florestal Sustentável, que é um conceito universalmente conhecido e consagrado. O termo “manejo sustentável” pode ser utilizado para várias atividades (manejo sustentável de pastagem, manejo sustentável de recursos pesqueiros, etc.).

Incisos IX e X: Trazem duas definições de pequenas propriedades rurais, sendo a do Inciso X, familiar. A versão do substitutivo anterior mencionava módulos fiscais fixando a área correspondente ao módulo fiscal vigente na data da publicação da lei; a nova versão deixou o módulo fiscal em aberto, abrindo a possibilidade de alterações futuras no tamanho da pequena propriedade rural através de alterações no tamanho do módulo fiscal.

Inciso XV: A definição de “Utilidade Pública” foi bastante ampliada, a partir da inclusão de “mineração”, no item b.

Inciso XVII: Foi incluída a definição de “Intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental”, que, no item h inclui: “demais atividades ou empreendimentos definidos em regulamento desta Lei”, abrindo a possibilidade de inclusão de inúmeras outras atividades.

No Art 4º: As faixas de APP de margem de rio voltaram às dimensões do Código Florestal em vigor, o que, entretanto, não tem qualquer efeito para a conservação ambiental ou para a estabilidade geológica e dos solos, já que praticamente todas as atividades passam a ser permitidas em APP, dada a nova redação do Art. 8º. Este permite a supressão da vegetação em APP, mediante autorização do órgão estadual, nos casos enquadrados em “utilidade pública, interesse social ou baixo impacto”, ou seja: qualquer atividade! Também nesta versão do Substitutivo, as veredas deixam de ser consideradas APP.

Art. 13: O artigo isenta da necessidade de delimitação de Reserva Legal, as pequenas propriedades que desmataram a área até 22/07/2008. Desta forma, pune os que cumpriram a Lei.

Art. 18: Neste artigo admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante “plano de manejo agrossilvopastoril”, termo não conceituado na proposta, que abre inúmeras possibilidades para exploração da Reserva Legal. O correto, tecnicamente, seria permitir a exploração da reserva legal mediante Manejo Florestal Sustentável. Se a intenção é possibilitar atividades agrossilvopastoris (atividades consorciadas) onde as características da vegetação as comportam (como ocorre na caatinga e nos campos) o correto seria citar essa possibilidade em outro parágrafo, restringindo-a aos ecossistemas onde elas são viáveis. Em geral, as atividades agrícolas e pastoris não são compatíveis com as áreas de floresta (Amazônia, Mata Atlântica), salvo nos casos de recuperação da reserva legal.

Art. 21: O artigo utiliza equivocadamente o termo “manejo sustentável”. A exploração seletiva sem critérios técnicos não pode ser chamada de manejo florestal sustentável.

Art. 22: A redação deste artigo é perigosa, podendo favorecer a exploração ilegal e o aumento do desmatamento, sobretudo em assentamentos na Amazônia Legal. A possibilidade de retirada de 2 metros cúbicos por hectare por ano supera em muito a capacidade de recomposição da floresta, causando uma depauperação rápida do estoque florestal. Atualmente, a literatura aponta para um crescimento máximo em torno de 0,85 metro cúbico por hectare ano em florestas tropicais. Este é o parâmetro adotado para definir a intensidade de exploração sustentável no manejo florestal da Amazônia (máximo de 25 metros cúbicos/ha para um ciclo de 30 anos). Intensidade maior que esta torna a atividade não sustentável, já que ao final do ciclo a floresta não será capaz de se recuperar.

Portanto, qualquer valor acima desses limites extrapola os parâmetros técnicos definidos na literatura especializada. Outro agravante é que o volume explorado pode ser muito maior do que o necessário para a execução de “atividades não comerciais”. Uma propriedade de 4 módulos fiscais (400 ha) na Amazônia teria uma Reserva Legal de 320 ha, cuja exploração sem necessidade de autorização seria de até 640 (seiscentos) metros cúbicos por ano. Uma vez explorada, essa madeira poderia ser facilmente alvo de “esquentamento” com créditos obtidos de forma ilegal. Os pequenos produtores, então, poderiam sofrer assédio por parte de madeireiras ilegais para fornecer madeira com o pretexto de exploração “sem propósito comercial” (e não poderiam ser autuados por isso) para então legalizar essa madeira com créditos indevidos. Portanto, é imperioso que o limite de exploração sem autorização seja radicalmente reduzido, e que se fixe uma limitação do volume total passível deste tipo de exploração por propriedade.

Outro equívoco deste artigo é que não há que se falar em “priorização de corte de espécies arbóreas pioneiras”, pois na Amazônia tais espécies possuem baixo valor comercial, inviabilizando a atividade de manejo florestal sustentável em algumas situações.Art. 24: Este artigo apresenta vários detalhes técnicos que deveriam compor normas infralegais.

Art. 30: Este artigo institui o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que, na prática, oficializa a anistia a quem desmatou ilegalmente e transfere todo o ônus do processo de regularização para a União e os Estados, sem considerar a ausência ou precariedade de estrutura do Poder Público para efetivar os inúmeros procedimentos do PRA e seu controle. Parece um dispositivo destinado a “aproveitar” esta precariedade, demonstrando o seu caráter de instrumento destinado a defender os interesses econômicos de uma parcela da população, em detrimento do direito difuso de toda a população brasileira a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” conforme reza o Art. 225 da Constituição Federal de 1988.

São estas as razões que levaram os servidores dos órgãos ambientais federais a se posicionarem, mais uma vez, sobre as alterações do Código Florestal Brasileiro na expectativa de que, neste momento de definição sobre futuro do patrimônio ambiental nacional, haja uma efetiva reflexão por parte dos parlamentares sobre os pontos de atenção acima indicados.


Brasília 10 de maio de 2011.


original assinado

Jonas Moraes Corrêa

Presidente da Asibama Nacional

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Notícias relacionadas:
Ibama chama agentes do Brasil todo para a Amazônia (Folha, 14/05/2011): Leia AQUI.

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